Embora muitas vezes passe despercebida, a função da cavidade bucal no sistema digestivo é fundamental. Não se trata apenas do primeiro ponto de contacto entre o organismo e os alimentos, mas também do local onde se ativam os primeiros mecanismos físicos, químicos e sensoriais.
Desde a mastigação até à secreção de saliva e à atividade do microbioma oral, a boca inicia uma complexa cadeia de eventos que influencia diretamente a digestão, a absorção de nutrientes e até a saúde intestinal. As glândulas salivares, por sua vez, não apenas hidratam e lubrificam os alimentos, como também libertam enzimas-chave, como a amilase salivar.
Além disso, a experiência alimentar não se limita ao paladar. A cavidade bucal está conectada com outros sentidos, como o olfato, que contribui de forma essencial para a perceção do sabor através do fenómeno da retronasalização. Durante a mastigação, os compostos voláteis dos alimentos atingem o epitélio olfativo, estimulando vias sensoriais que contribuem para o prazer de comer.
Esta interação sensorial ativa circuitos neuronais complexos, incluindo áreas do sistema límbico relacionadas com o prazer, a recompensa e a memória emocional. Por sua vez, esses sinais podem influenciar a secreção de hormonas digestivas, antecipando a chegada dos nutrientes e preparando o sistema digestivo para o seu processamento.
Assim, a digestão começa muito antes de os alimentos chegarem ao estômago. A boca e os sentidos desempenham um papel essencial neste processo inicial, não só do ponto de vista fisiológico, mas também emocional e sensorial.
Função da cavidade bucal no sistema digestivo
A digestão começa na boca, onde se ativam os primeiros mecanismos físicos e químicos que preparam o alimento para o seu percurso ao longo do sistema digestivo. Esta fase inicial envolve essencialmente dois processos principais: a mastigação e a insalivação.
- Durante a mastigação, os dentes fragmentam os alimentos em partículas mais pequenas, o que aumenta a superfície de contacto para que as enzimas digestivas atuem de forma mais eficaz.
Ao mesmo tempo, a saliva, secretada pelas glândulas salivares, hidrata e lubrifica o bolo alimentar, facilitando a sua passagem pela faringe e pelo esófago. Mas a sua função vai além do mecânico: contém enzimas como a amilase salivar, que inicia a digestão dos hidratos de carbono ainda antes de o alimento chegar ao estômago.
Além disso, a cavidade bucal é o primeiro ambiente biológico onde o alimento entra em contacto com o microbioma oral, uma comunidade de microrganismos que pode influenciar a transformação e biodisponibilidade de certos compostos bioativos, com efeitos potenciais na saúde geral e na microbiota intestinal.
Em resumo, esta etapa cumpre funções fundamentais:
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Mecânicas: fragmentação dos alimentos e formação do bolo, facilitando a deglutição.
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Enzimáticas: início da digestão química, especialmente dos amidos.
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Sensoriais: perceção do sabor, temperatura e textura, que estimula o apetite, modula a experiência alimentar e desencadeia respostas digestivas através do eixo intestino-cérebro.
Nesta fase inicial, ocorrem processos fundamentais que condicionam não apenas a eficácia da digestão, mas também a resposta metabólica, emocional e sensorial aos alimentos. Por isso, compreender a função da cavidade bucal no sistema digestivo vai muito além do aspeto mecânico: é uma porta de entrada essencial para uma digestão eficiente e uma nutrição consciente.
Mastigação: função mecânica
A mastigação é o primeiro passo ativo no processo digestivo. Os dentes, juntamente com os músculos mastigatórios e a língua, trituram os alimentos em partículas mais pequenas, o que aumenta significativamente a sua superfície de contacto com as enzimas digestivas. Este processamento mecânico não só facilita a degradação química posterior, como também permite detetar a textura, a temperatura e a consistência do alimento, influenciando a perceção sensorial e a preparação do organismo para a digestão.
A eficácia da mastigação influencia diretamente a formação do bolo alimentar, uma massa homogénea e lubrificada que será facilmente deglutida. Uma mastigação deficiente pode comprometer a digestão mais à frente, afetando tanto a velocidade de esvaziamento gástrico como a biodisponibilidade dos nutrientes.
Insalivação: função química e protetora
Simultaneamente, as glândulas salivares segregam saliva, uma mistura complexa que desempenha funções-chave do ponto de vista digestivo, imunológico e homeostático. A sua composição inclui água, mucinas, eletrólitos, enzimas digestivas como a amilase salivar (ptialina) e substâncias antimicrobianas como a lisozima e a lactoferrina.
As principais funções da saliva nesta fase são:
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Digestão química inicial: a amilase salivar inicia a hidrólise dos hidratos de carbono complexos, como o amido, em açúcares mais simples.
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Lubrificação: as mucinas conferem viscosidade à saliva, facilitando a coesão do bolo alimentar e a sua passagem pela faringe e esófago.
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Defesa imunológica: a lisozima, a lactoferrina e a IgA secretora atuam como barreiras antimicrobianas, limitando o crescimento de microrganismos patogénicos na cavidade oral.
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Proteção do esmalte dentário: ao neutralizar ácidos e manter um pH adequado, a saliva contribui para a prevenção de cáries e para a homeostase do ambiente oral.
Longe de ser apenas uma fase preliminar, o que acontece na boca condiciona a eficácia digestiva global, a saúde da microbiota intestinal e a transformação de compostos bioativos.
Modelos avançados para estudar a função das glândulas salivares e a cavidade oral
Para aprofundar o estudo destas interações, são cada vez mais utilizados modelos celulares avançados, que vão desde culturas celulares simples de epitélio oral e modelos de gengiva, até sistemas complexos como tecidos bioimpressos em 3D e dispositivos organ-on-chip. Estas tecnologias permitem reproduzir com elevada fidelidade a microestrutura e a funcionalidade da cavidade oral, facilitando a avaliação de respostas imunológicas, a interação com a microbiota e a influência da saliva na digestão inicial.
No desenvolvimento de ingredientes funcionais e produtos nutracêuticos, é cada vez mais comum o uso de digestores dinâmicos in vitro que simulam desde esta fase oral até fases posteriores como a digestão intestinal e a fermentação colónica. Estes sistemas avançados permitem observar como os compostos se transformam, que metabolitos são gerados em contacto com a microbiota e como podem exercer efeitos benéficos a nível sistémico.
Glândulas salivares: tipos, secreções e o seu papel na digestão
As glândulas salivares, fundamentais para a digestão, dividem-se em glândulas maiores e menores, que em conjunto produzem entre 0,5 e 1,5 litros de saliva por dia. Cada tipo de glândula tem uma função e uma composição específica:
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Glândulas parótidas: secretam saliva serosa, rica em enzimas digestivas como a amilase, que inicia a decomposição dos hidratos de carbono.
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Glândulas submandibulares e sublinguais: produzem uma mistura de saliva mucosa e serosa, que ajuda a lubrificar e a formar o bolo alimentar.
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Glândulas salivares menores: distribuídas ao longo da mucosa oral, secretam principalmente mucinas que protegem a mucosa e mantêm a sua humidade.
Estas secreções não só facilitam a digestão inicial, como também preparam o alimento para a sua passagem pelo trato digestivo e protegem a boca contra lesões e agentes patogénicos, contribuindo para a saúde oral e geral.
Função da cavidade oral no sistema digestivo: Sensação e ativação de respostas digestivas
A boca é também um centro de perceção sensorial que deteta sabores, temperatura e textura. Esta informação ativa respostas reflexas que:
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Estimulam a secreção gástrica e pancreática;
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Modulam a motilidade do trato gastrointestinal;
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Ativam a libertação de hormonas digestivas.
O sistema nervoso autónomo, através do reflexo gastrossalivar, responde a estes estímulos antecipando as condições necessárias para uma digestão eficiente.
Que funções tem o microbioma oral na digestão?
O microbioma oral é composto por centenas de espécies microbianas que habitam os dentes, a língua, as gengivas e as mucosas. Este ecossistema complexo influencia diretamente a saúde oral, imunológica e digestiva.
As suas principais funções incluem:
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Competição microbiana contra patógenos;
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Estimulação do sistema imunitário local (IgA, células dendríticas, linfócitos);
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Início de processos de fermentação e modificação de compostos presentes nos alimentos;
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Contribuição para o equilíbrio do microbioma intestinal, uma vez que alguns microrganismos orais sobrevivem à passagem pelo trato digestivo.
Manter um microbioma oral equilibrado não só previne doenças periodontais, como também pode ter implicações sistémicas, afetando a saúde intestinal e metabólica.
O estudo destas interações complexas é cada vez mais apoiado na utilização de modelos celulares avançados que representam as interações hospedeiro-microbioma. Estes incluem modelos celulares simples, como culturas de células gengivais, até sistemas mais complexos, como bioimpressão 3D de tecidos gengivais, modelos de cavidade bucal e dispositivos organ-on-chip. Estas tecnologias permitem simular com maior realismo o microambiente oral, facilitando a avaliação de respostas imunitárias, barreiras teciduais e dinâmica microbiana.
Em particular, para formulações que atuam desde as fases iniciais da digestão, utilizam-se de forma combinada digestores dinâmicos com modelos celulares avançados. Isto permite avaliar, de forma controlada e fisiologicamente relevante, como as interações microbianas e celulares desde a cavidade bucal até ao cólon podem modular a libertação e atividade de compostos bioativos.