A extração supercrítica é uma técnica avançada que utiliza fluidos em estado supercrítico (como o dióxido de carbono) para extrair compostos específicos de matrizes sólidas ou líquidas. No setor alimentar, esta tecnologia destaca-se pela sua capacidade de obter extratos de elevada pureza, livres de solventes tóxicos e com um impacto ambiental reduzido. A sua versatilidade permite operar a temperaturas relativamente baixas, o que protege compostos termolábeis como antioxidantes, óleos essenciais, vitaminas ou pigmentos naturais.
Além disso, o CO₂ supercrítico é um solvente não inflamável, não tóxico e facilmente eliminável do produto final, o que facilita a sua aplicação em ambientes com elevados requisitos de segurança e qualidade alimentar. Isto torna a extração supercrítica numa tecnologia aliada à inovação no desenvolvimento de ingredientes mais naturais, seguros e diferenciadores, alinhados com as exigências dos consumidores e os objetivos de sustentabilidade da indústria.
Aplicações atuais e emergentes da extração supercrítica na alimentação
A investigação tem demonstrado múltiplas aplicações da extração supercrítica na alimentação. Entre as mais consolidadas encontram-se:
- A obtenção de aromas naturais a partir de cascas de frutas, ervas aromáticas, especiarias ou café, sem recorrer a solventes orgânicos nem alterar o perfil sensorial original. Estes extratos são usados na alimentação, bebidas, cosmética e nutracêutica.
- A descafeinação de café e chá, com taxas de recuperação seletiva de cafeína superiores a 99 %, preservando o aroma original.
- O desengorduramento de cacau e frutos secos, reduzindo o teor de gordura para níveis inferiores a 0,1% e obtendo simultaneamente manteiga de cacau ou óleo de frutos secos como coextratos valiosos.
- O desenvolvimento de ingredientes funcionais, como extratos antioxidantes, antimicrobianos ou anti-inflamatórios, provenientes de fontes naturais como orégãos, alecrim, curcuma, alho negro ou outras plantas aromáticas.
Entre as inovações emergentes destaca-se a valorização de subprodutos agroalimentares. Por exemplo, a AINIA desenvolveu processos que transformam tortas de prensagem de cereais ou sementes em farinhas com mais de 50 % de redução de gordura e um aumento significativo da concentração proteica (com teor final de gordura inferior a 2–3 %). Estas farinhas proteicas são utilizadas em alimentos dietéticos, produtos funcionais ou destinados à nutrição desportiva.
A extração supercrítica na alimentação permite, assim, obter produtos de elevado valor acrescentado, contribuindo para estratégias de economia circular ao aproveitar resíduos da indústria hortofrutícola, oleaginosa ou cerealífera. Além disso, facilita a formulação de alimentos mais saudáveis, naturais e limpos, em linha com as tendências de personalização, bem-estar digestivo e clean label.
Extração supercrítica: Vantagens face a outras tecnologias de extração
Apesar de muitas vezes ser percecionada como uma tecnologia dispendiosa e reservada a produtos de alto valor, a extração supercrítica na alimentação já é amplamente utilizada em produtos de consumo quotidiano. É o caso do café descafeinado, dos aromas naturais presentes em bolachas ou bebidas, e de óleos essenciais usados em conservantes naturais ou em cosméticos. À medida que os processos são otimizados e os equipamentos adaptados a diferentes escalas, os custos diminuem e a tecnologia torna-se cada vez mais acessível e disseminada.
Face a métodos tradicionais como a destilação ou a extração com solventes orgânicos, a extração supercrítica com CO₂ oferece diversas vantagens claras:
- Maior seletividade
- Processos mais limpos
- Menor consumo energético
- Produtos mais seguros para o consumidor
Estas características tornam a tecnologia especialmente atrativa para produtos dirigidos a públicos sensíveis, como crianças ou pessoas com intolerâncias, bem como para segmentos premium que valorizam a naturalidade e a transparência.
Outro aspeto diferenciador é a capacidade de modular a pressão e a temperatura do processo para ajustar a seletividade do solvente a diferentes tipos de compostos – desde os mais polares aos mais apolares. Isto permite desenhar processos “à medida” para obter frações específicas, sendo particularmente útil no desenvolvimento de ingredientes funcionais e ativos com aplicações em alimentação e nutracêutica.
Desafios e perspetivas futuras de investigação na extração supercrítica
Embora a extração supercrítica esteja bem estabelecida em setores como o farmacêutico ou o cosmético, a sua adoção em larga escala na alimentação ainda enfrenta alguns desafios. O investimento inicial, a necessidade de adaptar os parâmetros a diferentes matérias-primas e a escalabilidade dos processos são fatores a considerar.
As linhas de investigação atuais concentram-se na otimização dos processos, no desenvolvimento de sistemas de coextração, e na integração com outras tecnologias, como a encapsulação, a fermentação ou a impregnação. Destaca-se ainda o uso de inteligência artificial para modelar e prever condições ideais de operação, bem como a avaliação ambiental por via de análises do ciclo de vida (LCA).
Estas abordagens visam tornar a extração supercrítica na alimentação mais competitiva, sustentável e adaptada às exigências regulamentares e do mercado, consolidando-a como uma tecnologia-chave para a transformação do setor alimentar.