A fraude alimentar é uma preocupação constante para a cadeia agroalimentar da União Europeia. Apesar dos esforços dos operadores que atuam com responsabilidade, existem sempre agentes que procuram obter benefícios ilícitos, aproveitando-se da confiança dos consumidores e do prestígio dos produtos alimentares. A UE mantém uma vigilância ativa para detetar e erradicar estas práticas, como demonstram os relatórios publicados em 2023:
O que entendemos por fraude alimentar?
Embora não exista uma definição legal de fraude alimentar na legislação da UE, a sua perseguição está claramente refletida no quadro normativo. O Regulamento (CE) n.º 178/2002, no seu artigo 8.º, estabelece que a legislação alimentar deve proteger os interesses dos consumidores, incluindo a prevenção de:
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práticas fraudulentas ou enganosas,
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adulteração de alimentos,
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qualquer outra prática que possa induzir o consumidor em erro.
Além disso, o Regulamento (UE) 2017/625 relativo aos controlos oficiais e o Regulamento (UE) 2019/1715 (SGICO) reforçam a luta contra a fraude através de sistemas de informação e redes de colaboração, como a Rede de Luta contra a Fraude, composta pela Comissão Europeia, Europol e organismos de ligação dos Estados-Membros.
Tipologias mais frequentes de fraude alimentar
A fraude alimentar pode manifestar-se de diversas formas. Seguem-se as principais categorias e alguns exemplos representativos:
Adulteração e manipulação – consiste em modificar a composição dos alimentos de forma não autorizada. Um exemplo é a utilização indevida de aditivos alimentares, regulados pelo Regulamento (CE) n.º 1333/2008. A incorporação de substâncias não permitidas ou em doses superiores às autorizadas pode alterar a aparência do produto e enganar o consumidor.
Falsificação – afeta especialmente produtos com Denominação de Origem Protegida (DOP), Indicações Geográficas Protegidas (IGP) e Especialidades Tradicionais Garantidas (ETG).
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Um exemplo marcante foi a Operação Delta India (2023) da Guardia Civil: realizaram-se 2.800 inspeções, investigaram-se 17 pessoas e detetaram-se 19 crimes relacionados com a falsificação de produtos protegidos.
Comercialização em canais não autorizados – a venda de produtos fora dos canais legais pode facilitar a fraude. Em 2022, a AESAN alertou para a comercialização de azeite por operadores clandestinos, sem rastreabilidade nem garantias sanitárias, o que representou um risco para a saúde pública.
Rotulagem e informação enganosa – a rotulagem incorreta ou as alegações exageradas podem induzir o consumidor em erro. O Regulamento (UE) n.º 1169/2011 regula a informação alimentar, enquanto o Regulamento (CE) n.º 1924/2006 estabelece os requisitos para alegações nutricionais e de saúde.
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Exemplos comuns incluem denominações de venda que sugerem propriedades não justificadas ou formulações que não cumprem a legislação.
Como se combate a fraude alimentar?
As autoridades competentes combatem a fraude através do Plano Nacional de Controlo Oficial da Cadeia Alimentar (PNCOCA), que prevê atuações específicas para detetar:
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rotulagem incorreta,
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falsificação documental,
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falta de rastreabilidade,
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substituição, diluição ou adição de ingredientes,
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utilização de tratamentos não autorizados,
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infrações de propriedade intelectual.
Consequências da fraude alimentar
A fraude alimentar tem consequências que podem afetar principalmente a economia e a saúde. As práticas fraudulentas na cadeia agroalimentar representam um elevado custo para as empresas da UE, estimado em cerca de 30 mil milhões de euros anuais. No entanto, o impacto não é apenas económico: pode também gerar problemas de saúde pública, comprometer a qualidade dos alimentos e prejudicar a reputação, ao quebrar a confiança dos consumidores, das empresas e dos parceiros comerciais nos setores afetados, nos sistemas de controlo oficiais e na autenticidade dos produtos.
Estas situações traduzem-se em consequências legais sob a forma de sanções administrativas e também penais, consoante o tipo de fraude alimentar cometido. Os responsáveis podem ter de assumir desde coimas até penas de prisão nos casos em que se tenha cometido um crime contra a saúde pública.
Em resumo, as consequências da fraude alimentar podem ser agrupadas em três grandes categorias: jurídicas, económicas e reputacionais.
Como prevenir a fraude alimentar?
Tal como em outras situações, a chave para enfrentar a fraude alimentar está na prevenção e antecipação. O mais recomendável é planear e prever os possíveis cenários em que a fraude alimentar possa ocorrer, de forma a eliminá-la ou, pelo menos, minimizar o seu impacto. É necessário conhecer com exatidão a regulamentação aplicável quando colocamos alimentos no mercado, para evitar sermos alvo passivo de um episódio de fraude.
É importante considerar que o impacto setorial da fraude alimentar pode afetar-nos, mesmo que não estejamos diretamente envolvidos. A preocupação e repercussão social são constantes, sendo um bom exemplo o facto de a fraude alimentar estar presente em várias questões colocadas por eurodeputados, como se pode verificar em determinadas perguntas parlamentares.
Na definição de uma estratégia para prevenir a fraude alimentar, os pontos mais relevantes devem centrar-se em:
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garantir a autenticidade e a integridade de toda a cadeia alimentar, detetando possíveis práticas fraudulentas ou enganosas;
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realizar análises específicas para identificar estas situações, com recurso a técnicas e protocolos de controlo oficial.
Em consequência, as medidas de autocontrolo ou as ações aplicadas pelo próprio setor constituem a melhor forma de prevenir este tipo de práticas. O papel do setor é vital, já que estes incidentes afetam diretamente a confiança do consumidor e o custo de recuperar essa confiança é muito elevado para todos os agentes envolvidos.
Hoje em dia, além disso, a digitalização do setor agroalimentar trouxe consigo avanços tecnológicos que permitem reforçar esta prevenção. O uso de Big Data e da inteligência artificial facilita um controlo mais eficiente da produção e assegura o cumprimento da regulamentação. Neste contexto, os espaços de dados estão a ganhar protagonismo, pois permitem integrar e partilhar informação entre produtores, fornecedores, distribuidores e outros atores da cadeia de valor. Estes sistemas garantem transparência, segurança e colaboração, ao mesmo tempo que aumentam a eficiência, otimizam recursos e oferecem ferramentas avançadas para a deteção precoce de riscos de fraude alimentar.